Recebi de um colega de trabalho, foi um dos relatos mais intensos que li sobre a grande tragédia da TAM. São tantas as tragédias hoje em dia que já estamos nos tornando habituados, e de certa forma acabamos por banalizar o que não pode ser banalizado.
Há pouco tempo escrevi sobre a importância que se dava para o caos aéreo, em detrimento dos outros grandes caos sociais que vivemos. Uma coisa é um atraso banal... outra coisa é brincar com a segurança das pessoas, com a vida das pessoas... isso tudo já foi longe demais, por conta de negociações políticas, interesse especulativo imobiliário, e outras inúmeras questões financeiras/oportunistas.
Enfim
segue o texto do rapaz.
O desabafo, por Adriano Kirche Moneta
Adriano Kirche Moneta (*)
Ela estava com o rosto intacto mas as mãos haviam sido arrancadas.
Descendo pela lateral da barriga, uma queimadura horrível, imensa.
Ainda saía fumaça de parte do seu corpo, as roupas estavam rasgadas e um dos pés havia sumido.
ESSA É A IMAGEM QUE EU GUARDO DESTE ACIDENTE TRÁGICO.
Essa mulher foi uma das vítimas, retirada pelos bombeiros num saco de cadáver.
Seus olhos estavam fechados. Deve ter apavorado quando o avião começou a explodir.
Nunca vi de perto cenas tão dantescas.
Mas confesso que, no meu interior mórbido, na minha ânsia de conhecer tudo (jornalista desde o ventre), sempre quis sentir o cheiro de querosene queimado, algo que lia nos relatos de acidentes aéreos.
É um cheiro que sempre está lá, misturado ao odor da morte.
É mesmo...
Mas esse odor, aprendi, também arruína.
Porque chega um momento em que você esquece do inferno e pensa ou finge estar no céu.
Tira fotos com o celular, vira as costas para a tragédia, vai comer, beber, manter-se vivo enquanto a morte está lá, esperando ser varrida dos escombros, retirada da cena de um filme que, agora, registrou-se na minha história, para sempre.
Estar no cenário do horror, tão de perto, me fez mais diferente do que já sou, me colocou num plano afastado do da maioria das pessoas, me excluiu de vez do lugar-comum.
Me isolou.
É isso o que ser jornalista te dá.
O salário é muitas vezes injusto mas a visão da Vida que você adquire não pode ser comprada, não tem preço e nunca se acaba.
Estar num momento tão afiado de uma história tão grotesca, colaborando de alguma forma para melhor atender à sociedade, gerou orgulho e decepção.
Orgulho porque participei ativamente de um marco histórico deste país. Um marco horroroso, claro.
Decepção por perceber o quanto sou vil ao extrair algo de bom de um algo que é só maldito.
Ser jornalista é ser sacerdote.
Que o nosso interior cresça e se fortaleça ao visitar as entranhas de um inferno humano.
(*) Assessor de Imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Trabalhou nas horas que se seguiram à tragédia com o acidente do avião da TAM, no dia 17/07.
Há pouco tempo escrevi sobre a importância que se dava para o caos aéreo, em detrimento dos outros grandes caos sociais que vivemos. Uma coisa é um atraso banal... outra coisa é brincar com a segurança das pessoas, com a vida das pessoas... isso tudo já foi longe demais, por conta de negociações políticas, interesse especulativo imobiliário, e outras inúmeras questões financeiras/oportunistas.
Enfim
segue o texto do rapaz.
O desabafo, por Adriano Kirche Moneta
Adriano Kirche Moneta (*)
Ela estava com o rosto intacto mas as mãos haviam sido arrancadas.
Descendo pela lateral da barriga, uma queimadura horrível, imensa.
Ainda saía fumaça de parte do seu corpo, as roupas estavam rasgadas e um dos pés havia sumido.
ESSA É A IMAGEM QUE EU GUARDO DESTE ACIDENTE TRÁGICO.
Essa mulher foi uma das vítimas, retirada pelos bombeiros num saco de cadáver.
Seus olhos estavam fechados. Deve ter apavorado quando o avião começou a explodir.
Nunca vi de perto cenas tão dantescas.
Mas confesso que, no meu interior mórbido, na minha ânsia de conhecer tudo (jornalista desde o ventre), sempre quis sentir o cheiro de querosene queimado, algo que lia nos relatos de acidentes aéreos.
É um cheiro que sempre está lá, misturado ao odor da morte.
É mesmo...
Mas esse odor, aprendi, também arruína.
Porque chega um momento em que você esquece do inferno e pensa ou finge estar no céu.
Tira fotos com o celular, vira as costas para a tragédia, vai comer, beber, manter-se vivo enquanto a morte está lá, esperando ser varrida dos escombros, retirada da cena de um filme que, agora, registrou-se na minha história, para sempre.
Estar no cenário do horror, tão de perto, me fez mais diferente do que já sou, me colocou num plano afastado do da maioria das pessoas, me excluiu de vez do lugar-comum.
Me isolou.
É isso o que ser jornalista te dá.
O salário é muitas vezes injusto mas a visão da Vida que você adquire não pode ser comprada, não tem preço e nunca se acaba.
Estar num momento tão afiado de uma história tão grotesca, colaborando de alguma forma para melhor atender à sociedade, gerou orgulho e decepção.
Orgulho porque participei ativamente de um marco histórico deste país. Um marco horroroso, claro.
Decepção por perceber o quanto sou vil ao extrair algo de bom de um algo que é só maldito.
Ser jornalista é ser sacerdote.
Que o nosso interior cresça e se fortaleça ao visitar as entranhas de um inferno humano.
(*) Assessor de Imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Trabalhou nas horas que se seguiram à tragédia com o acidente do avião da TAM, no dia 17/07.
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